Arquipélago da Madeira

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Destino exibe suas raízes em patrimônios históricos e monumentos fascinantes. // Famoso por ser um dos mais belos do mundo, o Arquipélago da Madeira é rep...

Suíça, de trem

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Um passeio imperdível pela Suíça com o Grand Train Tour

Lan Lanh

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Lan Lanh sobe aos palcos do Teatro Glaucio Gill, no Rio de Janeiro, para apresentar o show "Batuque da Lan Lanh" nos dias 2, 3, 4, 5, 9, 10, 11 e 12 de junho. ...

Chamar o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa de polêmico é pouco. Revolucionário, inovador, iconoclasta, ele mexeu pra valer com as estruturas do sistema, com a família tradicional, segundo ele, a maior fonte de neuroses. Chamar o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa de polêmico é pouco. Revolucionário, inovador, iconoclasta, ele mexeu pra valer com as estruturas do sistema, com a família tradicional, segundo ele, a maior fonte de neuroses.
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O PMB de Gaiarsa

Chamar o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa de polêmico é pouco. Revolucionário, inovador, iconoclasta, ele mexeu pra valer com as estruturas do sistema, com a família tradicional, segundo ele, a maior fonte de neuroses. Alguns achavam que era um louco. Talvez seja mesmo loucura ousar quebrar tabus e esculhambar com os valores considerados sagrados.

Gaiarsa, formado em Psiquiatria, introduziu as técnicas corporais em psicoterapia no Brasil e, por uma década, de 83 a 93, ousou analisar problemas emocionais de telespectadores, via Embratel, na rede Bandeirantes.

Nesta entrevista, em 1997, ele estava com 76 anos. Nela fala sobre a importância da mulher na sociedade. Algo maior e mais profundo do que possa imaginar a vã filosofia machista. Um papel para ser muito questionado e trabalhado. Tão sério a ponto de o terapeuta lançar o Partido das Mães, que tinha como meta salvar o mundo.

Não fica pedra sobre pedra na análise. E, no fundo de tanta ignorância, aparece o papel estabelecido para a mulher: transmissora de valores autoritários e hipócritas.

Assim vemos a mãe ter uma ação social e política da pior qualidade. Submeter, controlar, tirar o prazer da criança. Torná-la um ser covarde, incapaz para o amor. Porque, como Gaiarsa afirma, a maior qualidade humana, o amor, não acontece sem a coragem. E vice-versa. Em 2010, aos 90 anos ele faleceu, deixando um legado de 30 livros, prêmios internacionais e uma visão libertária da vida.

NT - Qual o paralelo que entre a família de ontem e a de hoje?
AG - Se você levar em conta que eu tenho 76 anos, eu nasci em 1920, até 1950, vou estabelecer estes números só para ter uma referência, não é nenhuma data histórica eterna, mas é a época em que a televisão começou a se expandir rapidamente. Até o tempo da televisão o mundo era um, depois ele é outro. E eu posso dizer isto por experiência própria. Vou resumir como era a vida no interior de São Paulo. Próximo à capital e, no entanto, a nossa vida era incrivelmente provinciana e limitada. Dando alguns exemplos espalhados: mulher fica em casa, mulher que sai muito não presta, mulher que é realmente honesta não fica nem muito na janela. As duas ou três mulheres separadas que havia em Santo André eram tidas como prostitutas. Quer dizer, se não tem marido dá pra todo mundo. As conversas das pessoas eram fofocas locais e mais nada. Mulher tinha que de ficar em casa, e também era famosa a frase “mulher tem que estudar pra quê?”. Mulher tem que ser dona de casa e mãe de família. Isto é, a mãe era obrigatoriamente uma ignorante e a ela se confiava a educação das crianças. Música no meu tempo: sanfona e violão numa ou noutra festinha de aniversário. A gente via a banda passar em todos os feriados nacionais, quatro ou cinco vezes por ano. E não havia mais música.

NT - O que mudou então na família com o passar do tempo?
AG - Você confrontando isto com hoje é uma diferença absolutamente astronômica. Qualquer lugar que você vá tem música, até aborrecendo demais. Dá para ir percebendo os contrastes? Família era aquilo mesmo. Casou, é para a vida inteira. Nem passa pela cabeça outro casamento. Os homens tinham a licença de frequentar prostíbulos. Os que tinham mais posses a gente sabia que tinham uma amante. E isto era falado à boca pequena. Mulher infiel, Deus me livre.
Olha, o vizinho ao meu lado, matou a mulher à machadada por infidelidade conjugal. Eu devia ter uns nove ou dez anos. A noção comum de honra era essa mesma. O marido de mulher infiel tem obrigação de matá-la. Isto era a regra. Filho era filho. Criança era criança. Pai e mãe faziam o que queriam. Eram mais comuns do que hoje pais severíssimos, brutalíssimos, idiotas que não sabiam nada. Mas como pai é pai, manifestavam todos os abusos contra os filhos. E não tinha conversa, nem apelação. Pai era pai e acabou-se. Veja bem. Tudo isto por volta de 1930. Portanto no primeiro terço do século 20.

NT - E como está configurada a família hoje?
AG - Uma coisa é evidente: o mundo sofre uma enorme diversificação de atividades, prazeres e ameaças. E isto está destruindo a família tradicional que tinha muita força porque não tinha nada mais interessante em volta. Não tinha muita diversão. Em 1930, eu vi os originais do Pato Donald, Carlitos e o Mickey. O cinema estava nascendo e era grande diversão. Quando você ia era uma festa. Eu quero sublinhar muito os números. Isto foi entre 1930 e 1935. Porque quando a gente fala da família do século 20 pensam que é a de séculos passados. E não é. É do começo do século 20. Basicamente as mudanças na mídia... Mas o povo simplório nunca leu muito jornal e revista era caro para a maioria. Ao passo que a televisão, qualquer favela é uma floresta de antenas de televisão. Mesmo os mais miseráveis, a primeira coisa que eles compram é uma televisão. Então, começou a se exercer sobre o mundo todo uma enorme influência do que era, afinal, o cinema em casa. A diversão em casa. Isto
primeiro abriu a cabeça das pessoas.A tecnologia passou a oferecer opções variadas de divertimento. Uma criança de dois ou três anos no meu mundo não tinha creche. Não tinha escola maternal, não tinha nada. Até seis, sete anos ficava em casa e
acabou-se. Agora com um ano, às vezes antes, você vai para creche, com três, você vai para escola maternal. Você sai de casa. Sai da família, este é o ponto importante. A gente começa a sair da família muito mais cedo. E ela perdeu enormemente
sua força. Tanto de agregação, quanto de autoridade. As crianças pequenas experimentam mais prazeres ao gosto deles e não por influência dos pais. Na verdade começam, desde muito cedo a ter amigos e ter uma independência.

NT – E como o senhor avalia isso?
AG – É positivo. Extremamente positivo.

NT – Em um dos seus livros o senhor fala que a boa família é aquela que fica pouco tempo junta. E a boa mãe é que “começa a morrer” logo depois do parto...
AG – Esta frase não é minha, mas eu adoto. A nossa noção de mãe ainda não mudou o suficiente para acompanhar os fatos. Este dado é muito importante sobre a família de hoje. A maioria das mães ainda hoje acha que vive para os filhos. E fim, e mais nada. Na verdade, abusam dos filhos, exercem uma autoridade. A mãe é a rainha do lar e ela é mesmo. Agora fora do lar os homens dizem que a mulher não deve dar palpites. Os homens encurralaram a mulher no lar. Lá ela faz o que quiser, e faz mesmo. Fora do lar ela não abre o bico. Não existe hoje no mundo nenhuma democracia. Só existem tiranias masculinas. Porque em nenhum país dito democrático o número de mulheres políticas é igual ao número de homens. Então, não há democracia no mundo e continua a haver tirania masculina. São os homens que resolvem tudo no mundo, mesmo depois de se ter provado por A mais B que eles são absolutamente incapazes. Porque o mundo está se enterrando num negócio infernal de guerra, miséria e porcaria que não acaba mais. Tudo governado pelos homens.

NT – Felicidade familiar é possível?
AG- Não vamos eternizar as coisas. Não estou dizendo que família é uma desgraça por dia, 24 horas, 40 anos. Não existe isto, assim como não existe um amor eterno. As coisas vão mudando. Quando é que as pessoas vão aceitar isso? Hoje os jornais, rádios e televisão já deixaram todo mundo cheio de saber que tudo está mudando. A matéria. A vida. O universo é um processo contínuo, não é uma soma de coisas, ele está acontecendo. Mas na nossa cabeça ainda está incrustada a noção falsa da família eterna. E do amor eterno.

NT – Na raiz das neuroses está a supermãe?
AG – Sem a menor sombra de dúvida e olha que isto está longe de ser a
minha opinião. Todas as escolas de psicoterapia dizem: a neurose começa antes dos cinco anos, quase sempre no lar, quase sempre por influência materna. E não é que mãe não presta. É que a função da mãe é ser o DNA da tradição social. A função da mãe que nós chamamos de educativa consiste em injetar na cabeça da criança todo o lixo que nós temos.

NT – E é valorizado esse papel...
AG – Extraordinariamente. Você não imagina quanto nem por quê. Mesmo as mães que trabalham fora, vêem televisão, se informam, continuam fazendo com os filhos o que as mães fizeram com elas. A mesma disciplina, o mesmo cuidado. “olha lá no namoro, cuidado o que é que você faz. Não pode”... E fica outra coisa, imbecil. O mundo está saturado de sexo. Qualquer anúncio de televisão tem menina pelada, qualquer novela traz cenas de sexo, qualquer estande de jornais traz dezenas de meninas e homens nus, sacanagens... Estamos cercados de sexo por todos os lados e ainda hoje – eu faço questão que você coloque esta frase literal: ainda hoje mãe não tem xoxota. Agora estamos modernos sexualmente. Mas mãe não tem sexo. Aliás, em família não tem essas duas coisas horríveis. Que na verdade são o começo da família. Cada absurdo em cima do outro.

NT – O que o senhor acha da erotização dos programas infantis de televisão brasileira?
AG – A natureza está começando a se opor contra todos os nossos preconceitos sociais. Vou dar outro exemplo mais claro. “Que horror meninas de 13, 14 anos estão tendo nenê.” Horror coisa nenhuma. Uma menina que menstruou durante um ano é uma fêmea madura. Se a gente vivesse no mato, uma menina ou quem nós chamamos de uma menina, é uma mulher feita. A indiazinha de 13 anos já tem um nenê no colo. E o indiozinho, de 14, já é considerado adulto. É mentira que estamos regredindo. Nós estamos caminhando na direção da natureza, mesmo sem querer. O erotismo infantil é a mesma coisa. É o problema mais crítico, mais idiota, mais ocioso que se inventou. Em cima de algumas seduções de crianças e coisas realmente feias. Quer dizer, criança não seduzida, mas obrigada por ameaça... Isto é um horror, eu concordo. Mas na verdade criança nasce com pinto e mexe muito nele. E criança quer saber como é que encosta, como é que pega, porque é gostoso. E é bom agradar o corpo inteiro.

NT – Na sua opinião, é positiva essa erotização?
AG – Extremamente positiva. Porque a ausência dela gera a anestesia do adulto. A maioria das pessoas não tem consciência de corpo. Porque desde pequeno você não pode mexer nele. E ser for agradável muito pior. Você aprende desde pequeno que quando o corpo dói leva para o médico. Quando é gostoso, disfarce porque senão alguém vai te pegar. Perdemos toda nossa capacidade de sentir prazer e alegria corporal, de contato, do erótico e tudo mais. Quando eu falo da erotização de crianças estou excluindo casos policiais. Marque isto bem. Porque senão eu entro bem. Tem um livro maravilhoso sobre o assunto, o melhor que eu já li, metade da edição foi jogada fora porque ninguém comprou. Chama-se Sexualidade Infantil, de vários autores. São textos de um equilíbrio fantástico. Eles reconhecem quanto a criança tem o direito de ser erótica. Criança é pele, é sensação. E como é que você não vai alimentar isso? Você vai isolando a criança, daí a pouco ela está como todos nós, no
meio de um milhão de gente, se sentindo sozinha. Incapaz de estabelecer contatos. Incapaz de expressar sentimentos de uma forma boa, convincente, bonita. Por quê? Porque desde pequena não pode. E se as pessoas começassem a se solidarizar harmoniosamente era capaz de ter uma revolução. Então, é bom que estejam todos anestesiados. Que não se juntem de uma forma muito profunda, muito afetiva. Só superficialmente. Só ligações sociais superficiais. Assim, como sempre, a autoridade permanece onde está. E ninguém se junta para fazer nada.

NT – E quanto à bissexualidade?
AG – A verdade é que o homem pode sentir tanto prazer na pele em carícias quanto a mulher. A diferença não é fisiológica, é primeiro histórica. Durante um milhão de anos nós fomos caçadores errantes.

NT - É normal a procura do prazer com os dois sexos?
AG – Eu diria que mais completo do que com um só. Porque gente é gostosa. Mas é isto que não se pode descobrir. Porque quando descobrirmos isso nós vamos nos reunir e fazer barulho. Então, precisa que o contato entre as pessoas seja precário, seja frio, seja momentâneo, seja passageiro. E ninguém se compromete.
É a expressão clássica das mulheres, né? Os homens não querem se comprometer. Na verdade, as pessoas não querem sentir contato de pele, que aproxima e reúne. É muito perigoso. Tem um exemplo que ilustra isto maravilhosamente. O patrão e a secretária. Poderia ser o médico e a enfermeira. O professor e a aluna. Todas aquelas figuras famosas. Quando o patrão e a secretária se encontram na quinta-feira, às quatro horas, para uma transa no motel, todo mundo sabe. Ninguém se incomoda. Mas se ele começa a desenvolver com ela laços afetivos, aí a empresa estremece, a mulher dele cria um caso porque não pode, você não pode ter bons amores. Só pode ter amor de lixo. Escondido e negado. Porque se você afirma amores, você fica muito visado e condenado. E pior: na hora que o patrão e a secretária começam a se envolver afetivamente,
marque bem isso, não existe mais patrão, nem secretária. A pirâmide de poder foi desfeita. É por isso que o amor é o sentimento mais perseguido em nosso mundo. Apesar de toda boca cheia ao contrário, apesar de falarem como papagaio que é lindo, há perseguição porque o amor poderia dissolver esta sociedade de poder.

NT – Como o contato físico, as carícias e o amor podem provocar mudanças pessoais e sociais?
AG – Se você tem carícias suficientes todo dia você esquece do médico.
Você não fica doente. Há prova com experiências com animais. Dois
grupos de ratos, por exemplo.
Com um você brinca muito e com outro você só dá comida. Se você depois
fizer uma cirurgia meio cruel e tirar a glândula tireóide de todos (é
um exemplo dentro de um milhão), eles, os que não foram acariciados,
duram de um a dois dias e os que foram duram um mês.
Estão começando a brotar como cogumelos livros mostrando “encoste,
tenha prazer, prazer é saúde, é alegria, amor é saúde, comece a amar”.
Todos eles estão começando a surgir e cantando isto cada vez mais alto.
Mas enquanto houver esta família monogâmica, compulsiva, o amor
continua proibido e a autoridade continua garantida. Não pode libertar
o amor.

NT – Uma vez o senhor disse que a infidelidade só existe para o brucutu e que, na maioria dos casos, amantes são soluções melhores do que a rotina massacrante de casamentos neuróticos. Como é que fica toda essa concepção machista do brasileiro? Que resistências o senhor encontra?
AG – Todas as possíveis. A primeira delas é a fofoca. Eu sou um camarada
tremendamente malfalado por um pequeno grupo. Antigamente,
era grande. Agora, eu estou virando rebelde oficial. E mesmo quem fala
mal, às vezes, olha em volta para ver se tem alguém que me defende.

NT – Há quantos anos o senhor faz terapia via Embratel?
AG – Desde que eu me formei, eu aparecia na televisão e fazia conferências.
Há cinco anos, tenho o programa fixo na televisão. Mas antes apareci
centenas de vezes, tentando falar dessas coisas e aprendendo como
elas são. Porque eu não nasci sabendo e também não nasci bonitinho
não. Eu me ferrei até os colarinhos, com todo o perdão da palavra, com
toda essa merda cultural tida como o máximo da civilização.

NT – Que tipo de resistência o senhor encontra?
AG – Vou dar um pequeno exemplo. Vou num grupo de palestras para executivos
onde se conta uma porção de lorotas, aí eu mostro um pouquinho o
que é família e o quanto a família se projeta no trabalho atrapalhando tudo.
Não me chamam a segunda vez. Na hora dizem “maravilhoso”, mas não
me chamam mais. Não se pode tocar na família. Sexo ainda pode, não
escandaliza mais.

NT – E quando fala em poligamia, amor livre, como é?
AG – Os homens ficam muito ressentidos e as mulheres vêm com aquela
choradeira. Ah, com o homem é diferente, porque para ele se permite,
para nós é difícil.
É verdade, quem vai negar isso? Mas também é verdade, uma outra coisa...
Pode escrever aí, que acabem me linchando! É muito fácil enganar
um homem porque ele não percebe quase nada, entendeu?
Não venha com essa desculpa de que é mulher. Na verdade, você é inábil.
Não é por ser mulher. Como pessoa você é incompetente para conseguir
o que é importante para você.

NT – É possível conciliar o amor e o tesão com a rotina do casamento?
AG – Este é o meu sonho. O meu ideal e a minha mensagem. Eu poderia
dizer que por um lado estou desanimado, porque isto não acontece.
Mas por outro, isto está começando a acontecer porque os laços familiares
estão cada vez mais frouxos.
Sempre que se fala nessas coisas dizem: “mas os homens estão casando
mais”. É, mas estão separando cada vez mais cedo. Um terço dos adultos
norte-americanos (onde as estatísticas são um pouco melhores) estão
vivendo sozinhos.
No Reino Unido, uma estatística espantosa, o número de famílias clássicas
com o pai que trabalha fora e a mãe que fica em casa, com dois ou
três filhos não chega a 10%. A homossexualidade está muito mais falada,
as ligações fortuitas acontecem a toda hora. Todo mundo viaja muito.
Agora com a Internet começam os romances transcontinentais.

NT – O senhor trabalha com comunicação de massa. Pensa em desenvolver seu trabalho na Internet?
AG – Nós já estamos. A Associação Nova Mãe Novo Mundo, que é o começo
do Partido das Mães, está na Internet. Eu não vou fazer nenhum
partido político, não tenho a menor competência, mas estou promovendo
a questão.
Voltando ao argumento anterior, até pouco tempo psiquiatras, e principalmente
psicólogos, quando tratavam de criança a culpa era sempre
da mãe.
Mas o modelo de mãe é que é ruim, não é D. Maria, D. Joaquina ou D.
Antônia que são psicopatas. Elas são mães que tentam ser mães como
acham que todo mundo devia ser. Então, é a má educação - e o proble64
ma da criança não é fruto da mãe - é fruto dos nossos costumes, dos
quais a mãe é o representante dentro do lar.
O modelo de mãe é péssimo e é feito para sustentar sempre, sempre,
sempre o autoritarismo.

NT - O Partido das Mães então se propõe a mudar este modelo?
AG – Exato e a primeira esperança do Partido é começar a fazer uma
escola de família.

NT - Como surgiu a idéia de criar este partido?
AG - Eu lancei a idéia pela primeira vez no comecinho de 1996. Nós fomos
aprendendo e agora estamos rodando em boa velocidade. Temos
recebido de 30 a 50 cartas por semana.
Já respondemos a mais de 1.500 pessoas e estamos equipados para responder
três mil cartas per mês. A Associação Nova Mãe Novo Mundo
está funcionando, instituída com todos os documentos em ordem. Existe
e funciona.

NT - Por que criar um Partido das Mães?
AG - Elas sempre foram o maior partido conservador do mundo, em
qualquer lugar, em qualquer época. Primeiro, pelo número, segundo,
porque são elas que deformam a criança com o nome de educação.
Terceiro, porque elas têm não só... Veja eu gosto da frase ... Ninguém
exerce tanta influência sobre tão poucas pessoas durante tanto tempo,
quanto as mães.
Você não vai esquecer nunca de sua mãe. Ela está na sua medula, no
centro do seu cérebro. As mães têm esta influência no período mais crítico
da formação da personalidade, que é até os cinco anos de idade.
Só esta frase merecia um tratado. Porque eu posso demonstrar isto de
uma forma espantosa: o seu destino é resolvido antes dos cinco anos. E
até esta idade quem determina o seu destino é a sua mãe.

NT - É ela quem faz a programação?
AG - Ela é programada para programar você. Ela é uma transmissora de
valores sociais altamente discutíveis. E, ao meu ver, nojentos.
Vou dar dois dados, no chute: hoje, têm mais de 50% morticínios em
curso e nem sempre é guerra. Pode ser revolução, encrenca racial, encrenca
de fronteira e, no último meio século, ocorreram 75 guerras.
E o número de guerras é de milhares, desde que começou esta maldita
civilização. O pior de tudo, desde que começou esta civilização, 20%
da humanidade era gente, 80% não era. Hoje, continua igualzinha. Então,
governo dos homens, política e mundo novo são frases sem sentido.

NT - Como assim, 80% da humanidade não era gente?
AG - Dois terços do mundo são de miseráveis, não chega a ser gente,
está morrendo de fome. Enquanto um terço restante é de obesos e de
podres de rico. E a gente não sabe pra quê.
E isto não é a história de hoje, nem a história do Brasil, é a história da
civilização. Imagina o nome, que ironia.
Guerra sem fim, opressão sem fim. São esses os valores que se espera
que a mãe transmita para os filhos. É realmente um lixo.
Para não ficar só comigo, vamos lembrar o querido Jesus Cristo. Pode? O que
é que ele disse? Se não nos fizermos crianças outra vez não entraremos
no reino de Deus. Ele queria dizer com isto que tudo da cabeça de adulto
é lixo e que você tem que se livrar disso.
E quem colocou tudo isso na sua cabeça foi a sua mãe.

NT – Como o Partido das Mães vai ajudar a transformar essa programação da mulher, da mãe?
AG - Presentemente, temos três objetivos bem definidos. O primeiro é
uma escola de família.

NT - Via Internet?
São sonhos que estão se desenvolvendo pouco a pouco. Viver com adulto
do sexo oposto, 20, 30 anos e educar dois, três filhos são as tarefas
mais difíceis da vida.
No entanto, nenhum país do mundo exige a menor qualificação para
você fazer isto. O que quer dizer que estamos dando poder a quem não
sabe usar. Pai e mãe têm um poder de ditadores e nenhuma capacitação
para exercer este poder.
Estranho, não? Tudo feito para sustentar o autoritarismo.

NT - E desumanizar...
AG - Exatamente. Desumanizar desde cedo. Educar consiste em dizer
não. Em podar 90% das iniciativas infantis. Em tornar a criança um autômato.
Porque aí ele pode ser posto na escola. Que é outro horror.
E na linha de montagem que é uma catástrofe. Mas um animal saudável
jamais se conseguiria segurá-lo em uma linha de montagem, fazendo
oito horas por dia o mesmo movimento. O nosso trabalho ainda é
escravagista.

NT – A submissão começa com a restrição à criatividade?
AG - Completamente. Dizendo não, não, não, não. O segundo ideal
do partido é fazer uma campanha implacável contra a nossa maneira
de nascer nas maternidades. Os médicos transformaram a gravidez e o
parto numa doença.
Estão vivendo ricamente com isso e sem a menor consideração nem pela
mãe, nem pela criança. Este assunto eu conheço a fundo. Que monstruoso
que é o nascimento na maternidade, à luz da biologia. Um absurdo.
Para começar colocam a mulher numa posição da qual foi proibida desde
que nasceu. Deitada de perna aberta, mostrando a xoxota.
E isto não é violência médica, é o que eles acham que precisa ser feito.
Tem uma história: um dos Luíses da França - não me lembro qual - queria
ver como é que nascia uma criança. E para ver bem a rainha foi posta
assim. E aí virou moda entre os nobres e agora os obstetras acham que
é muito bom também.
Eu não sei por quê, porque não há nenhuma vantagem nesta posição.
De cócoras é melhor e há mil outras. De quatro, na água. Graças a Deus
tem mais gente pensando nessas coisas. Se você comparar o que se faz
na maternidade com o que acontece com todos os bichos, todos prima67
tas, a primeira coisa que o filhote faz é grudar na mãe. E fica grudado
um ano.
Na maternidade, acabou de nascer, separa. Você não imagina o estrago
que isto faz sobre a pessoa. Com gente não se pode provar
isto com toda clareza, mas com animais, sim. Se você tirar os gatinhos
quando nascerem por algumas horas, quando devolver, a mãe
não aceitará.
Aliás, eu acho que num mundo melhor nem o parteiro, nem o pediatra
poderiam ser homens. Teriam que ser mulheres, porque homem
nenhum vai entender a maternidade, nem a criança. Então,
é outro dos absurdos do nosso mundo e o pior é que as mulheres
vão atrás.

NT - Seria por ignorância?
AG - Ignorância e apoio ao inimigo. E mais. Tem a história da cesárea,
que o Brasil é o campeão do mundo. A moça não quer sentir nada e começa
aí a distância entre mãe e filho.
Tem relatos, na Cartilha das Mães, de partos africanos, que você fica babando
de inveja. Você não imagina o quanto é bom para as crianças recém-
nascidas que estão nas costas das mães muitos interessadas.
Dormem pouco, não choram quase nada, riem muito. Com dias de idade
ficam penduradas e é assim que deve ser. Porque o homem não nasce
formado, nasce embrião. Nós somos parecidos com o canguru.

NT - O senhor está mexendo com valores muito arraigados. Qual o preço?
AG - Eu diria que vou à raiz da podridão, mas estes valores não estão
mais tão arraigados assim. Se eu tivesse essas ideias cem anos atrás, em
primeiro lugar eu não teria nem coragem de pensar.
Segundo, eu não teria coragem de falar e, se falasse, provavelmente eu
seria linchado. Mas hoje é justamente o contrário. Falo sobre estas coisas
duas horas e ninguém pisca. Estou trazendo a mensagem que interessa
às pessoas.


NT - No futuro, a ideia de família não vai continuar? Não existirá mais a família?
AG - A ideia já mudou.
Mas não é bem assim, enquanto houver criança humana, pequena, que
é muito desamparada, alguém vai ter que cuidar. Neste ponto a família
é indispensável. Até aí é inegável.
Agora, que o melhor jeito seja a família monogâmica e eterna é outra
história, completamente diferente.

NT - Qual é a sua corrente terapêutica?
AG - Tenho três influências predominantes, ao lado de muitas outras, é
claro. A primeira foi do mestre Carl Gustav Jung, o suíço dos arquétipos,
do inconsciente coletivo. Eu diria que a minha formação mais fina vem
dele. Depois como terapeuta eu usei, abusei, ampliei e sofri profundamente
a teoria do Reich, da psicanálise do corpo.

NT – Por que o senhor sofreu?
AG - Porque ele ficava muito de olho nas coisas negativas e eu peguei a
mesma pista. Agora, eu tenho a terça parte que é minha. Adoro fisiologia,
adoro psicofisiologia. Como é que o corpo é sentido, não como ele
é estudado pelos fisiologistas. E me especializei, tenho estudos muito
profundos sobre a influência do olhar na comunicação humana. Sobre
o aparelho locomotor. Eu demonstro que somos criação contínua, que é
o que dizem todos os iluminados.
O olhar, a motricidade e a respiração são a minha paixão de vida. Tenho
quatro livros a respeito.

NT – O que acha dos tratamentos alternativos?
AG – O gravíssimo inconveniente é a picaretagem. Como são técnicas
mais ou menos simples, e até divertidas, você faz duas, três vezes e acha
que pode saber ensinar também.
A desgraça dos alternativos é a improvisação, a superficialidade, a picaretagem
e a exploração.
Mas as técnicas alternativas conhecidas mais de perto, bem trabalhadas,
a meu ver são muito superiores às técnicas acadêmicas. Melhor dizer
assim: as técnicas corporais são muito mais atuantes do que as verbais.

NT – Qual é a maior qualidade do ser humano?
AG - Eu hesito entre a coragem e o amor. Porque sem amor não há coragem.
A maior desgraça é o medo.

NT – A que se propõe no curso Respiração, Angústia e Renascimento?
AG – Quando você inibe a respiração é como se reduzisse o carburador
ao mínimo. Você está usando o motor na força mínima que ele tem. Ao
passo que se as pessoas tivessem uma respiração mais ampla que o padrão,
elas seriam muito mais vivas.
A essência da historia é essa. Sem oxigênio não acontece nada no corpo.
Restringir oxigênio parece esquisito, mas a repressão social conseguiu
isto, mesmo sem saber.
Não estou dizendo que o poderoso conhecia fisiologia respiratória ou
nervosa. Com esse não, não, não, ameaça, ameaça, ameaça, todo mundo
quase vive sufocado.

NT – Gostaria que o falasse sobre o papel da igreja.
AG – Não sei dizer se a igreja é a grande repressora, ou se o grande poderoso
se aliou a ela para dominar, não só o corpo, mas também o espírito.
Os reis e sacerdotes sempre foram carne e unha. É bom não esquecer
a função de poder da religião.
Não tem nada a ver com o lado místico. Todo mundo está cheio de saber
que o Vaticano é tão dinheirista como qualquer outra instituição.
Que tem fortunas gigantescas etc, etc, etc. De espiritual nada. São altamente
interessados em castrar, para todo mundo ficar bonzinho, obediente,
assustado.
A Igreja é aliada do poder, nem mais nem menos. Enquanto, digamos
assim, o poder quer dominar por fora, a Igreja quer dominar por dentro.
É muito sutil. Vou resumir.
Toda a infinita crueldade e maldade, sacanagem e exploração dos colonizadores
das Américas tinham um pretexto bonito. Ensinar o amor de
Cristo para aqueles que estavam sendo explorados de uma forma brutal,
indecente, absurda. Tudo em nome de Deus. Sem contar que todas
as guerras do mundo são feitas em nome de Deus. E dos dois lados, isto
é que é engraçado.

NT - A esperança do mundo é o matriarcado?
AG - Quase. Ou pelo menos uma nova mãe, que ajude na formação de
seres humanos com outros parâmetros. Até hoje vivemos ao contrário,
vivemos avançando para o futuro de costas. Sempre adorando o velho,
que já está morrendo.
Está na hora de se voltar para a criança, como esperança de mudança.
O adulto não muda mais. Mas com boa vontade, e muita compreensão,
talvez alguns adultos ajudem a formar crianças que não sejam outros
pasmados como nós. E esta é a minha mais rara esperança na vida. Aliás,
este é o terceiro objetivo do Partido das Mães.

*Esta entrevista faz parte do livro Icondicionalmente Livre, de Nádia Timm

Última modificação em Segunda, 21 Março 2016 22:32
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